"É mais fácil mobilizar os homens para a guerra que para a paz. Ao longo da história, a Humanidade sempre foi levada a considerar a guerra como o meio mais eficaz de resolução de conflitos, e sempre os que governaram se serviram dos breves intervalos de paz para a preparação das guerras futuras. Mas foi sempre em nome da paz que todas a guerras foram declaradas." José Saramago

sexta-feira, 27 de março de 2009

Dia Mundial do Teatro



Depois de há um ano ter escrito aqui dois posts sobre este dia, um que continha a mensagem do dia mundial do Teatro de Robert Lepage, e outro que era a minha opinião sobre a situação do Teatro em Portugal há um ano.A magnífica mensagem de Robert Lepage pode relê-la aqui.
Quanto à minha opinião, curiosamente manteve-se ou piorou... Mais rídiculo só mesmo o facto do que foi descrito por mim o ano passado sobre o acompanhamento ou notícia deste dia pelos meios de comunicação social se manter tão actual como há um ano, pois não há alteração absolutamente nenhuma.

Passada esta introdução aqui vos deixo a mensagem deste dia que este ano foi escrita pelo extraordinário Augusto Boal, criador, fundador e pedagogo do Teatro do Oprimido.

Mensagem

Somos todos atores
Teatro popular, teatro contestatório, teatro interativo, teatro educativo, teatro legislativo, teatro terapêutico... em outras palavras, Augusto Boal. O diretor brasileiro de renome mundial é o autor, este ano, da mensagem do Instituto Internacional do Teatro (IIT) elaborada em comemoração ao Dia Mundial do Teatro, celebrado em 27 de março.
Inventor do Teatro do Oprimido e do personagem denominado “espect-actor”, Boal nos convida a subir no palco da vida para criar um mundo onde a dualidade opressores/oprimido será abolida.

Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida! Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!

Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro.
Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, o palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver, tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.

Verdade escondida

Em setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro, apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós, em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da bolsa quando fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.
Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre: no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: "Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida".
Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.
Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!


Augusto Boal

In “Correio da UNESCO”

terça-feira, 24 de março de 2009

Surreal



Se não tivesse visto não acreditava. É preciso uma grande falta de carácter para dizer isto com o magnífico cenário...
Eu, como penso que muitos benfiquistas, teria vergonha de ter dirigentes assim. Que vivem da arruaça e falta de escrúpulos enquanto tentam esconder a catástrofe financeira e desportiva em que vivem.

Infelizmente para eles, e independentemente da fotografia, esta será sempre a taça Lucílio Batista. É que casos destes são como a mão de Maradona (ou de Ronny do Paços em Alvalade) que, de tão escandalosos, a memória não apaga.

sábado, 21 de março de 2009

Dia Mundial da Poesia

Aos Poetas

Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.

E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.

Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.

Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.


Miguel Torga, in 'Odes'

terça-feira, 17 de março de 2009

Inacreditável



Recebi por mail um anúncio de emprego no mínimo caricato, ou então já chegámos a um ponto em que vale tudo por meia duzia de tostões... Se não vejamos: O anúncio pede um/a promotor/a de eventos para entrada imediata. Até aqui tudo normal, mas passemos então aos requisitos exigidos pela entidade empregadora. E estes são apenas: Sensibilidade comercial, conhecimentos de geografia mundial, experiência em funções administrativas, capacidade de negociação internacional, fluência de inglês e francês (falado e escrito), e ainda o conhecimento dos seguintes idiomas: Mandarim, japonês, polaco, árabe, checo, romeno, sérvio. Para concluir basta ter a carta de condução...
Não é para todos muito menos para jovens que não podem ter mais de 30 anos como exige a empresa. Ainda assim, e na esperança de que apareçam bastantes candidatos, a empresa oferece 600 euros de ordenado mais um subsídio de refeição que também não é para todos (6 euros 41 centimos).

É absolutamente extraordinária esta tentativa de exploração, mas creio que não irão longe, pois se ainda havia alguém em Portugal com todos estes requisitos e vontade de trabalhar na promoção de eventos... Depois de ler o anúncio decidiu emigrar de vez.

Gostava de ser mosca para ver os C.V. que estão a ser recebidos por esta empresa, mas acredito que mais absurdos que o anúncio não serão...

A oferta aqui

Encostei-me



Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.
Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.

Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos —
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o
compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.



Álvaro de Campos